A regra de imunidade tributária dos templos de qualquer culto, prevista no art. 150, VI, “b” da Constituição, estatui, a um só tempo, uma demarcação constitucional em face da qual as pessoas políticas de direito público interno não têm competência para a instituição de impostos, assim como um direito reservado às entidades religiosas.
A imunidade tributária dos templos de qualquer culto visa assegurar a liberdade religiosa, delimitada no art. 5º, VI, da Constituição, de forma que o Estado está impossibilitado de utilizar a cobrança de impostos como meio de embaraço ao exercício das atividades religiosas, em prestígio ao princípio da laicidade estatal, previsto no art. 19, I, da CF.
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal (“STF”), quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 578.562/BA (“RE 578.562/BA”), Relator Ministro Eros Grau, DJe 12.09.2008, consoante a ementa (parcial) do julgamento:
“2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, ‘b’.
3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas.”
Nos autos do RE 578.562/BA, o STF reconheceu a imunidade tributária do Cemitério dos Ingleses, área contígua à Igreja Anglicana em Salvador, tendo em vista tratar-se de imóvel destinado ao culto e sepultamento das pessoas que professam a religião anglicana. Por esta razão, foi afastada a exigência do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbano (“IPTU”).
Cabe aqui destacar trecho do voto do Ministro Relator Eros Grau; “(…) a limitação ao poder de tributar que a imunidade do artigo 150, VI, ‘b’, contempla há de ser amplamente considerada, de sorte a ter-se como cultos distintas expressões de crença espiritual.”
A fixação da abrangência da imunidade tributária do art. 150, VI, “b”, CF, pelo STF aos templos de qualquer culto religioso, constituiu o fundamento para a rejeição da aplicação da referida regra à maçonaria, conforme o julgamento do RE 562.351/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJe 14.12.2012, de acordo com a ementa (parcial):
“III – A imunidade tributária conferida pelo art. 150, VI, b, é restrita aos templos de qualquer culto religioso, não se aplicando à maçonaria, em cujas lojas não se professa qualquer religião.”
Sendo assim, todos os imóveis destinados aos cultos religiosos – seja uma igreja católica, uma sinagoga, uma mesquita, um templo budista, uma igreja cristã ou protestante, um templo espírita, um terreiro de candomblé ou de umbanda, um templo hinduísta, ou qualquer outro templo religioso – estão amparados pela imunidade tributária e não estão sujeitos à incidência de impostos, inclusive o IPTU.
A imunidade tributária dos templos de qualquer culto religioso (art. 150, VI, “b”, CF) prevalece inclusive nas situações em que o imóvel de realização da celebração pertence a terceiro, sendo a entidade religiosa mera locatária.
Frise-se que a regra de imunidade aqui comentada alcança o templo, isto é, o local físico onde é realizado o culto religioso, independente da propriedade pertencer a terceiro. Note-se que o imóvel locado a uma entidade religiosa é afetado pela imunidade em decorrência da atividade nele exercida: o culto religioso.
Portanto, a circunstância de a imunidade tributária abranger os imóveis locados para a prática religiosa está em consonância com a proteção constitucional ao exercício da liberdade religiosa (art. 5º, VI, CF) e a vedação à criação de embaraços por parte do Estado a tal prática (art. 19, I, CF).
O entendimento em contrário, cobrança do IPTU sobre os imóveis locados e utilizados como templos religiosos, viola os citados artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, “b”, todos da Constituição.
Cabe reconhecer que a relação jurídica protegida pela imunidade tributária prevalecerá em relação à situação de incidência da norma do IPTU. Ou no dizer da Suprema Corte no julgamento do RE 578.562/BA (ementa parcial): “As áreas de incidência e da imunidade tributária são antípodas”.
Isto não significa dizer que a imunidade tributária dos templos de qualquer culto foi transferida a um particular, locador do imóvel destinado à prática religiosa. Tal interpretação levará à discriminação daquelas entidades com modesta arrecadação financeira e impossibilitadas de aquisição imobiliária para reunião de seus fiéis e realização de cultos.
Com efeito, o legislador constituinte fixou a imunidade aos templos religiosos, impedindo a cobrança de impostos sobre o respectivo espaço físico. Assim, enquanto um determinado imóvel permanecer locado para celebração de culto religioso, tal imóvel não estará sujeito à incidência do IPTU.
Neste sentido, cumpre ressaltar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da Bahia, nos autos da Apelação Cível, Processo nº 0567003-04.2017.8.05.0001, Relator Desembargador Maurício Kertzman Szporer, publicado em 12.11.2019, que reconheceu o direito à imunidade tributária de entidade religiosa de matriz africana locatária de imóvel para a prática de culto, conforme se depreende da ementa (parcial):
“1. O Centro de Umbanda Estrela de Aruanda interpôs a presente apelação objetivando a reforma da sentença, a declaração da imunidade tributária do IPTU do imóvel de inscrição municipal (…), no qual figura como locatário (….).
2. O fato gerador do Imposto Predial e Territorial Urbano é a propriedade, o domínio útil ou a posse a qualquer título de bem imóvel localizado em zona urbana.
3. Ainda que exerça a entidade a posse direta mediante a locação, a imunidade ocorre sobre o templo, ou seja, sobre o imóvel. Desimporta que a entidade religiosa não seja a proprietária do imóvel, bastando, para tanto, que seja utilizado para o culto religioso.
4. O imóvel é imune à tributação, pois é utilizado para fins religiosos, em que pese seu proprietário não seja a própria entidade religiosa. A imunidade ocorre em razão da destinação do imóvel, inobstante quem seja o proprietário.”
Em recente decisão judicial, de 20.01.2022, o Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública de Vitória da Conquista/BA, concedeu medida liminar e afastou a cobrança tanto do IPTU quanto do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (“ITR”) em face à imunidade tributária da Rede Beneficente, Cultural, Educacional e Religiosa Caminhos dos Búzios, em Ação Civil Pública, autos do Processo nº 8013150-16.2021.8.05.0274.[1]
Diante do exposto, não pairam dúvidas quanto ao direito à imunidade tributária dos templos de qualquer culto religioso na posse de imóveis destinados às celebrações, nos termos do art. 150, VI, “b”, da Constituição, o que demandará a propositura de ações judiciais com o fim de resguardar o direito das entidades religiosas.
[1] O gabinete do Vereador Alexandre Xandó gentilmente disponibilizou os dados do processo em questão, bem como cópia da petição inicial e da decisão liminar para nossa análise. Para saber mais sobre o trabalho do Vereador nas questões relacionadas à defesa dos interesses das religões de terreiro, acesse: https://www.instagram.com/alexandre.xando/; https://twitter.com/alexandrexando_